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Em 2019, o ano de Blade Runner, livros clássicos distópicos fizeram sucesso

Três clássicos do subgênero ficaram na lista dos dez livros de ficção mais vendidos do ano

A história do livro de ficção científica escrito por Philip K. Dick, Blade Runner, se passa em novembro de 2019, com o personagem Rick Dekard, um caçador de recompensas que persegue androides em uma San Francisco pós-nuclear, passa por uma crise moral.

Coincidentemente, o ano de 2019 foi de grande sucesso para as ficções científicas distópicas.

O que é uma distopia?

O termo distopia foi criado em 1868 pelo filósofo John Stuart Mill para caracterizar o oposto de utopia (expressão criada no século XVI pelo pensador Thomas Morus em sua obra Utopia). Enquanto a palavra utopia – que vem das palavras gregas ou (não) e topos (lugar) – tem como objetivo representar um lugar que não existe, distopia, que também vem do grego, significa lugar ruim.

Na literatura, as distopias são consideradas um subgênero da ficção científica e geralmente contam histórias que se passam em sociedades desenvolvidas tecnologicamente ou em regimes em que a democracia deixou de existir, demonstrando sempre uma visão pessimista do futuro. Segundo o crítico literário e professor da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha, Armando Requeixo, “uma distopia é uma ficção que se define por situar a sua ação em uma sociedade anti-utópica, ou seja, indesejável, enquanto apresenta os indivíduos que existem nela oprimidos por uma instância de poder superior que os leva a uma condição de vida limitada e carente de liberdade.” Ainda de acordo com ele, “as distopias são relatos que apresentam sociedades polarizadas onde um poder ilimitado escraviza a massa social”.

Esse subgênero surgiu no século XX sob o contexto de mudanças tecnológicas e descobertas científicas, entretanto, nesse período também ocorreram duas guerras mundiais, a ascensão de regimes totalitários, como o nazismo e o fascismo, e ditaduras militares na América Latina.

Por que é importante ler distopias?

Para Armando Requeixo, “a leitura de propostas distópicas é fundamental pelo seu poder parabólico e alegórico”, já que, geralmente, essas obras contêm parábolas e alegorias para falar de assuntos que são complexos. Além disso, ele acredita que as distopias também são essenciais “pela advertência de que muitas vezes nos dedicamos aos assuntos de um possível mundo futuro sem mudar o nosso jeito atual de viver”.

Já o escritor Matheus Peleteiro acredita que “considerando que as primeiras obras de ficção científica foram as responsáveis por impulsionar cientistas de todo o mundo a estudar o universo, penso que, se é que o artista ainda possui o poder que possuía no passado, a distopia é um instrumento de combate aos retrocessos sociais”.

A primeira distopia

Entre 1920 e 1921, o escritor russo Yevgeny Zamyatin (1884-1937) redigiu o romance Nós, considerado o pioneiro no subgênero distopia. A obra foi publicada em 1924 e retrata uma sociedade opressora, narrando as impressões de um cientista sobre o local em que vive.

Apesar de outras obras distópicas terem sido publicadas anteriormente a essa data (como A Nova Utopia, de Jerome K. Jerome, de 1891, e O Tacão de Ferro, de Jack London, publicada em 1900), Nós é de extrema importância na ficção científica distópica por, mais tarde, ter inspirado as obras Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley e 1984, de George Orwell.

Nós inspirou as obras Admirável Mundo Novo e 1984 (Imagem: Editora Aleph/Reprodução)

Distopias clássicas de sucesso na literatura

O Processo é uma distopia escrita pelo tcheco Franz Kafka (1883-1924) e publicada postumamente pelo também escritor e amigo do autor, Max Brod. A história tem início quando o bancário Josef K., no dia do seu aniversário de 30 anos, é informado de que sofrerá um processo judicial. A questão que intriga tanto o protagonista da história, como o leitor, é o fato de que Josef K. não tem a mínima ideia do motivo pelo qual é processado. Embora existam diversas interpretações complexas sobre O Processo, a obra é considerada uma profecia do nazismo, já que a trama gira em torno de uma detenção sem motivo algum, além de contar com cenas de espancamento, decisões irrespondíveis das esferas de poder e um assassinato brutal, como ocorria cotidianamente na Alemanha nazista.

A distopia O Processo é considerada uma profecia do nazismo
(Imagem: Gabriela Bouvier)

Admirável Mundo Novo, escrita pelo inglês Aldous Huxley (1894-1962), traz a visão de um futuro que se passa em uma sociedade totalitária em que os avanços científicos e tecnológicos estão presentes.

Entre os assuntos abordados na história estão o estranhamento entre pessoas que vivem em civilizações diferentes, o consumismo, o trabalho, a liquidez das relações e valores – como a inexistência da família e a desvalorização da amizade e dos vínculos amorosos (incluindo o sexo como algo banal). Nesta sociedade, valoriza-se a coletividade e o consumismo exacerbado como forma de movimentar a economia, além da busca permanente pelo prazer. A obra, mesmo tendo sido escrita na década de 1930 foi responsável, para alguns, por prever a inseminação artificial, que seria desenvolvida mais tarde, em meados dos anos 1960.

Admirável Mundo Novo, obra publicada em 1932, foi responsável por prever a inseminação artificial, que seria desenvolvida mais tarde, em meados dos anos 1960
(Imagem: Gabriela Bouvier)

A Revolução dos Bichos, publicada em 1945, e 1984, publicada em 1949, são obras escritas pelo jornalista e ensaísta político inglês George Orwell (1903-1950). Ele escreveu A Revolução dos Bichos com a intenção de criar uma metáfora que descrevesse de forma crítica o regime que havia se instaurado na União Soviética após a Revolução Russa, ocorrida em 1917. Já 1984 foi um romance distópico escrito com o objetivo de fazer com que o leitor pudesse refletir sobre a essência nefasta de qualquer poder totalitário. Apesar disso, muitas pessoas leram a obra como uma crítica às ditaduras nazifascistas que surgiram na Europa no século XX. Já nos Estados Unidos, ela foi recebida como uma fantasia sobre o comunismo, sendo até mesmo usada como uma forma de propaganda capitalista.

Para o escritor, jornalista e crítico literário José Carlos Bortoloti, 1984 pode ser considerada “a obra mais completa de uma ideia distópica que temos até hoje. Desde seu lançamento, no início do século passado, o livro já se tornou de tudo, filme, novela, até revista em quadrinhos.” Além disso, ele ainda ressalta que a obra: “trazia em seu bojo o que hoje já estamos mais acostumados a ver e saber, as mazelas do totalitarismo, esse sistema de governo, em que o homem é um escravo, um simples servidor do Estado, em todos os conceitos.”

Borlotti ainda faz um paralelo de 1984 com a situação atual de alguns países: “Vemos países distópicos, como Coréia do Norte, Venezuela, aqui ao nosso lado, e já tivemos mais, que hoje estão vendo as situações reais, ou além da imaginação.”

“A Revolução dos Bichos” e “1984” são as duas obras mais famosas de George Orwell
(Imagem: Gabriela Bouvier)

Além disso, os livros de Orwell também têm inspirado novos autores na produção de suas obras. O escritor baiano Matheus Peleteiro, autor de 6 livros, se inspirou em A Revolução dos Bichos e na distopia Fahrenheit 451, de Ray Bradbury para escrever seu mais recente romance, a distopia O Ditador Honesto, que é narrada por assistente jurídico no ano de 2026.

O Ditador Honesto é uma obra inspirada nas distopias A Revolução dos Bichos e Fahrenheit 451
(Imagem: Divulgação)

Fahrenheit 451 é uma distopia escrita pelo estadunidense Ray Bradbury (1920-2012). A história se passa em uma época em que ler e adquirir conhecimento por meio de um livro é considerado crime e que a função dos bombeiros é a de queimar coisas, incluindo obras literárias.

Embora muitas pessoas interpretem a distopia como uma referência à censura, de acordo com o autor, sua mensagem é com relação ao fato de as pessoas deixarem de ler para assistir TV. Além disso, a distopia também fala sobre o conceito de sociedade do espetáculo (valorização da imagem).

Fahrenheit 451 também aborda a sociedade do espetáculo
(Foto: Gabriela Bouvier)

O Conto da Aia, escrito pela canadense Margaret Atwood (1939-) e publicado em 1985, é uma distopia que fala sobre um mundo em que, após uma crise política, o governo dos Estados Unidos se torna totalitário, baseado na teocracia. Após uma revolução, forma-se a República de Gilead, que tem como característica o fundamentalismo cristão.

A história é contada sob uma perspectiva feminina, em uma sociedade em que as mulheres são vistas como propriedade de seus maridos e as que não têm maridos são transformadas em escravas sexuais. Entretanto, nessa sociedade, o sexo não é visto como algo prazeroso, mas deve ter como único objetivo a procriação.

Para escrever a obra, a autora se utilizou de momentos históricos como a Revolução Iraniana e o caso das Bruxas de Salém, ocorrido em Massachusetts, nos Estados Unidos, em 1692.

A obra ganhou uma série pela Rede de Televisão Hulu em 2017
(Imagem: Gabriela Bouvier)

Alguns desses clássicos distópicos, mesmo depois de mais de 70 anos de lançamento, como A Revolução dos Bichos e 1984 ainda são sucesso de vendas no Brasil, já que esses livros estão presentes na lista dos mais vendidos de 2019.

(Arte: Gabriela Bouvier)

Fatores do sucesso das distopias

Alguns fatores podem estar relacionados com o grande número de vendas de obras distópicas em 2019. Para o escritor, jornalista e crítico literário José Carlos Bortoloti, um dos principais fatores são as capas dos livros, já que elas chamam a atenção dos consumidores. “O primeiro motivo é o desconhecimento junto com o apelo editorial, pois suas capas já induzem a um estado imaginário desconhecido para a grande maioria.” Entretanto, ele ainda destaca: “Para outros [a razão] é uma busca de interpretações diferenciadas do cotidiano aos quais estão acostumados”.

Capas dos livros distópicos chamam atenção dos consumidores
(Imagem: Gabriela Bouvier)

Outro fator também relacionado ao alto índice de livros distópicos vendidos no Brasil durante 2019 é o atual cenário político do país. Para Matheus Peleteiro, autor de O Ditador Honesto, “O momento político brasileiro demonstra tanta vileza, que os leitores se viram obrigados a buscar este tipo de literatura para que não se sintam inertes, e assim possam evidenciar e disseminar o perigo de tudo o que está acontecendo.”

Adaptações

Para Peleteiro, um outro fator que tem impulsionado as vendas de distopias são as adaptações, como a do livro O Conto da Aia, que, em 2017 ganhou uma série que vem fazendo bastante sucesso tanto em outros países como no Brasil. Segundo ele, “as redes sociais, de algum modo, tornaram o tempo da juventude escasso para leituras, mas não para filmes e séries. Tenho convicção de que filmes e séries despertam o interesse daqueles que se afeiçoam muito a um trabalho.”

Já a jornalista, professora universitária (Fiam-Faam) e Doutora em Comunicação pela Universidade Metodista de São Paulo, Fabiola Tarapanoff, acredita que as pessoas têm uma tendência de, ao assistir uma adaptação, procurar o livro que deu vida àquela obra.

A tradutora e intérprete Luciana Frateschi Freddi conheceu e se interessou por distopias há aproximadamente 15 anos ao ler Não Verás País Nenhum, do autor brasileiro Ignácio de Loyola Brandão. Entretanto, ela destaca: “Mas devo confessar que, muito antes disso, aos 8 anos, assisti o filme Fahrenheit 451 e me apaixonei por aquela ‘realidade’”.

Além de ter lido Não Verás País Nenhum (que, aliás, ela perdeu a conta de quantas vezes o releu), Luciana também já leu Nós (Ievguêni Zamiatin), O fim da infância (Arthur Clarke), Fahrenheit 451 (Ray Bradbury), O Conto da Aia (Margaret Atwood), Flashforward (Robert J. Sawyer), 1984 (Orwell), Sozinho No Deserto Extremo (Luiz Brás), Cem Anos de Solidão (Gabriel Garcia Marques), Zero (Loyola), A Revolução dos Bichos (Orwell), Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), O Processo (Kafka), Eu, Robô (Isaac Asimov) e Submissão (Michel Houellbecq).

Ela ainda ressalta: “Gosto de ler distopias porque tenho curiosidade em pensar nos possíveis apocalipses ou pra onde estamos caminhando.” Além disso, Luciana acredita que é importante ler distopiaspra pensar e refletir sobre quais erros estamos cometendo (será possível corrigi-los)?”

Apesar de as adaptações incentivarem a leitura, o contrário também pode acontecer. A estudante Eduarda Darte começou a se interessar por séries e filmes distópicos após ter lido um clássico da literatura distópica. “Sou apaixonada por filmes, com certeza já assisti vários filmes distópicos sem saber que eram (risos), mas, na real, comecei a me interessar muito depois de ler o livro Fahrenheit 451, que, aliás, considero um dos melhores livros desse gênero. Aí depois desse livro dei a louca e procurei várias obras parecidas, sejam elas filmes, séries ou livros.”

Alguns dos filmes distópicos que ela já assistiu foram: Expresso do Amanhã, O Preço do Amanhã, Ensaio Sobre a Cegueira, Laranja Mecânica, Fahrenheit 451 e Jogos Vorazes. Além disso, algumas das séries de TV que ela acompanha são: Black Mirror, The Handmaid’s Tale e Westworld.

Ao ser perguntada do porquê ela gosta de distopias, Eduarda comenta: “Gosto de assistir e ler distopias, porque elas nos fazem pensar como o mundo é ou o que pode se tornar. Às vezes tratam de questões tão reais que batem certinho com a nossa situação atual. Elas me ajudam a ver o mundo com outros olhos, principalmente com um olhar mais crítico”.

(Arte: Gabriela Bouvier)

A primeira distopia no mundo do cinema

Metrópolis, lançado na década de 1920, é a adaptação do livro de mesmo nome escrito pelo alemão Thea von Harbou. A história se passa em uma cidade tecnologicamente avançada no ano de 2026.

Laranja Mecânica

Laranja Mecânica tem uma adaptação cinematográfica de sucesso que foi lançada em 1971, dirigida por Stanley Kubrick. O livro foi escrito em 1962 e é um romance distópico escrito pelo britânico Anthony Burgess (1917-1993) que retrata um mundo futurístico em que gangues compostas por adolescentes estão dominando as duas e causando violência. A história, que tem como objetivo debater a questão da violência e da ressocialização de jovens que ex-criminosos, foi considerada pela revista Time um dos 100 melhores romances anglófonos do século 20.

Filmes clássicos vs contemporâneos

Além dos filmes distópicos que são adaptações de clássicos, vale ressaltar também que filmes distópicos contemporâneos, como Jogos Vorazes (2012) e Divergente (2014), também fizeram e continuam fazendo sucesso, principalmente entre os jovens. Para Fabiola Tarapanoff, os filmes contemporâneos são tão próximos do nosso cotidiano como os clássicos.

Bastidor Político
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Redação do site Bastidor Político. Veículo criado em 2016 com intuito de levar os bastidores da informação.

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