A pedido do Ministério Público o juiz da 3° Vara Cível, Glauco Costa Leite concedeu liminar que suspende a contratação da OSS Organização de Saúde por parte da Prefeitura de Mauá e devolve a gestão para Fundação ABC.
Procurada a Prefeitura afirmou que “Até o presente momento, a Prefeitura de Mauá não foi notificada e tomará as devidas providências assim que necessário”
Veja a decisão
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Trata-se de ação civil pública proposta por MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO em face MUNICÍPIO DE MAUÁ E FUNDAÇÃO DO ABC – ORGANIZAÇÃO SOCIAL DE SAÚDE, alegando, em síntese, que: As requeridas firmaram o contrato de gestão n° 01/2010, em 01/03/2010, cujo objeto consistia na operacionalização da gestão e execução pela segunda requerida das atividades e serviços de saúde do Hospital das Clínicas Dr. Radamés Nardini, com vigência de 12 (doze) meses, sendo devidamente prorrogado por meio de aditivos contratuais sucessivos, sendo o último, o 7° aditamento, com vigência a partir de 02/2015; Em paralelo ao Contrato de Gestão n° 01/2010 foi firmado entre as requeridas o contrato de Gestão n° 01/2013, vigente a partir de 01/04/2013, para fomento e apoio técnico a execução de atividades de prestação de serviços de saúde, em caráter complementar e integrado à Secretaria de Saúde, no âmbito da Rede de Saúde do Município de Mauá; Os contratos foram unificados pelo Contrato de Gestão n° 01/2015, celebrado em 27/02/2015, tendo por objeto o fomento e apoio técnico na execução de atividades de prestação de serviços de saúde e ensino em saúde sob gestão municipal, em caráter complementar e integrado à Secretaria de Saúde de Mauá, a partir dos princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde e das estratégias de gestão. Este contrato englobava a gestão de todo Complexo de Saúde de Mauá (COSAM), abarcando o Hospital de Clínicas Dr. Radamés Nardini, os serviços de Atenção Básica, Urgência e Emergência, Atenção Especializada, Proteção da Saúde e Vigilâncias e Farmácia Popular; Referido instrumento teve sua vigência encerrada em 28/02/2018, por um período de 30 dias e, posteriormente renovado pelo período de 90 dias, com vencimento em 30/06/2018, oportunidade em que o Ministério Público passou a acompanhar as tratativas para a garantia da continuidade dos serviços públicos, restando acordada a renovação até 30/07/2018; Deste então a Fundação do ABC vem precariamente executando os serviços objeto do contrato, sem interrupção para que não haja prejuízo aos munícipes, mediante reembolso dos custos comprovadamente levados a efeito, em regime indenizatório; Deste o início da contratação a Fundação estaria sofrendo inúmeros prejuízos decorrentes do repasse de valores de forma insuficiente e fora dos prazos previstos no cronograma de desembolso. Às págs 6 e 7 da petição inicial é apresentada planilha com os valores em aberto. Diante da evolução do débito uma comissão mista teria identificado em 31/10/2017 valor superior a 110 milhões de reais de crédito e que atualmente ultrapassaria o montante de 160 milhões; Diante deste quadro o Município de Mauá teria solicitado à Fundação do ABC que contraísse empréstimos para que os valores fossem aportados na execução do contrato, prestando-se à função de antecipar receitas; Aproximadamente nos últimos 12 meses o Ministério Público teria intermediado diversas reuniões entre as partes visando a preservação dos serviços aos munícipes. Nestas reuniões o Município se comprometia a apresentar propostas de redução e corte de serviços e a Fundação a apresentar o diagnóstico levantado, com sugestão de serviços essenciais; Em 03/04/2019 o Ministério Público convocou as partes para a assinatura do TAC mas apenas a Fundação do ABC anuiu formalmente ao ajuste. Diante da nova substituição do Chefe do Poder Executivo Municipal, a prefeitura teria apresentado nova proposta, com ajustes, em relação aos quais a Fundação teria apresentado anuência. Entretanto, até o momento a municipalidade teria se mantido inerte, não firmando o TAC. Por esta razão, desde 01/08/2019, mercê da continuidade dos serviços de forma ininterrupta, prossegue o regime indenizatório, mas em valores aquém do executado. Este quadro tem impedido a Fundação de arcar com os débitos decorrentes da prestação dos serviços, quedando-se inadimplente e vindo a sofrer diversos bloqueios judiciais; Durante as tratativas as partes reconheciam a necessidade de contratação de uma auditoria para apuração da dívida e definição da seu pagamento; Apesar das tratativas o MP teria descoberto que a Prefeitura estaria realizando um chamamento para contratação emergencial, cujo edital não é de conhecimento do MP. O Município teria decidido contratar de forma emergencial nova Organização Social de Saúde, a Associação Metropolitana de Saúde, para assunção dos serviços de saúde objeto da presente lide; O MP não questiona a discricionariedade da Administração Pública na celebração de novo convênio, mas os impactos que tal conduta deverá acarretar aos serviços de saúde prestados à população, à vista da ausência de plano de desmobilização e continuidade dos serviços. Pleiteia, assim a concessão de tutela de urgência, mediante multa diária de R$ 50.000,00, para que: (1) as requeridas se abstenham de encerrar os serviços prestados nesta comarca, sem que apresentem e coloquem em prática um plano de atendimento aos munícipes que se valem da rede pública; (2) a apresentação de um plano estratégico, no prazo de 30 dias, contemplando redução de custos de serviços, e em caso de inadimplemento das obrigações financeiras assumidas, ocorra o sequestro de verbas públicas para a garantia da continuidade dos serviços; (3) a sub-rogação do município nas obrigações contraídas em decorrência da execução de serviços decorrentes do objeto dos autos ao longo de toda a vigência dos pactos, com apresentação de cronograma de pagamentos; (4) delimitação de prazo para a efetivação das medidas anteriores com o consequente encerramento da parceria entre a Fundação do ABC e o Município de Mauá; (5) em caso de não apresentação do plano estratégico, seja o Município compelido a custear o plano de trabalho apresentado pela Fundação; (6) caso o juízo não entenda viável a sub-rogação imediata das obrigações contraídas, seja determinada a realização de perícia contábil para apuração do montante da dívida e, consequentemente o sobrestamento de todas as ações judiciais movidas em face da Fundação do ABC; (7) da suspensão da contratação emergencial com a Associação Metropolitana de Gestão – AMG. Por fim, requer a procedência da ação para que sejam confirmados os pedidos concedidos em tutela de urgência antecedente. Juntou documentos (fls. /413). É o relatório. O Ministério Público tem legitimidade para a demanda posta que versa toda a gestão do aparelho público de prestação de serviço de saúde, atingindo direitos transindividuais. 1) DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE O cidadão tem direito assegurado à saúde, sendo dever do Estado patrociná-lo, conforme determina a Constituição Federal em seu artigo 196. Nesse sentido: “O art. 196 da Constituição Federal estabelece como dever do Estado a prestação de assistência à saúde e garante o acesso universal e igualitário do cidadão aos serviços e ações para sua promoção, proteção e recuperação. O direito à saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele” (RE 226.835 -STF -Rel. Min. ILMAR GALVÃO, j. 14-11-1999). 2) DA INEXISTÊNCIA DE URGÊNCIA PARA A CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL DA ASSOCIAÇÃO METROPOLITANA DE GESTÃO. A matéria em questão é regida pela Lei Federal n°13.019/2014, que trata das parcerias entre a administração pública e entidades da sociedade civil para a consecução de finalidades de interesse público recíproco. O artigo 30 do referido diploma autoriza a dispensa de chamamento público nas hipóteses de urgência decorrentes de paralisação ou iminência de paralisação de atividades de relevante interesse público. Não é esta a hipótese dos autos em uma primeira análise, já que a manifestação da Fundação de por fim à cooperação ocorreu em 20/05/2018 (p. 312/313). E deste então até a presente data, os serviços de operação do aparelho de saúde municipal vem sendo regularmente prestados, inclusive mediante intermediação do Ministério Público, e pelo regime indenizatório. De todo o exposto na peça vestibular, agregado aos documentos que estão encartados aos autos, evidencia-se que a situação emergencial ocorre desde 30/06/2018, quando findo o prazo do último aditivo contratual firmado entre as partes requeridas e as partes passaram a executar o objeto contratual sem um instrumento próprio a sustentá-lo. Deste então, a FUNDAÇÃO DO ABC segue prestando os serviços, mesmo à míngua de pagamentos integrais e arcando com prejuízos. Ora, a situação de precariedade, por este viés, de alguma forma está consolidada. Logo, a situação emergencial, sob o aspecto jurídico existe, mas ela já é objeto da prestação de serviço pela Fundação há mais de um ano, e com supervisão do órgão ministerial autor. Contudo, tal situação em nada se aproxima da situação retratada pelo artigo 30 e que autorizaria a dispensa de chamamento. Não há qualquer iminência de interrupção dos serviços por parte da Fundação. Deste modo, causa grande estranheza a contratação de nova associação sob o signo de chamamento emergencial, tal como realizado, para substituir quem, em caráter emergencial, já cumpre a mesma atividade. Indaga-se a razão pela qual não se teria realizado exatamente o procedimento regular de chamamento. Aliás, nota-se que não se encontra qualquer informação sobre a nova contratação com a Associação Metropolitana de Gestão no sítio eletrônico da Prefeitura de Mauá e tampouco no Portal da Transparência. A informação, ao que parece, também foi sonegada do órgão ministerial que vinha realizando as tratativas relacionadas à situação da saúde de Mauá, e só é encontrada por meio de notícias da imprensa local. Tal conduta fere os artigos 5° e 10 do diploma legal referido, com inobservância do princípio da publicidade. O que salta aos olhos é a necessidade de um chamamento formal, com completa abertura de acesso aos interessados, prestigiando-se os princípios regentes da Administração Pública, publicidade, impessoalidade, legalidade, moralidade e eficiência, com foco na realização de um plano de desmobilização e de continuidade dos serviços públicos. Assim se colocará fim à precariedade jurídica do regime atual. Malgrado não exista pedido expresso na inicial neste sentido, é certo que a situação de precariedade somente cessará com a regular observância do procedimento legal, previsto na Lei n° 11.3019/2014. Trata-se, pois, de questão essencial, que estrutura a causa de pedir, ou seja, a necessidade de que, observados os ditames legais, seja realizada a sucessão da prestadora dos serviços de saúde de forma racional e que melhor atenda aos interesses dos munícipes. Daí porque a tutela deve abranger a determinação para que o município no prazo máximo de 180 dias, promova e conclua o procedimento de chamamento, nos termos da lei. A operação de saúde, como entabulada, é bastante complexa e, em um primeiro momento, tais fatos, notadamente o histórico de inadimplência municipal, conferem verossimilhança às alegações do Parquet de risco sobretudo à continuidade regular dos serviços, agregado à não incidência da hipótese legal de dispensa de chamamento. Certamente centenas de procedimentos estão agendados para realização eletiva, tantos outros devem ocorrer em regime de urgência e as enfermidades dos cidadãos não aguardarão a solução do imbróglio jurídico-administrativo que envolve as partes requeridas. Destarte, de rigor a concessão da tutela em relação ao item (7) para SUSPENSÃO do CONTRATO CELEBRADO COM A ASSOCIAÇÃO METROPOLITANA DE GESTÃO, determinando-se a realização de processo de chamamento. 3) DA CONTINUIDADE DOS SERVIÇOS As requeridas devem ser instadas a continuar com a prestação dos serviços médicos até que ocorra a elaboração do certame nos moldes legais e seja confeccionado plano pormenorizado de desmobilização e sucessão dos serviços. Assim, defere-se o item (1), para que as requeridas se abstenham de encerrar os serviços prestados nesta comarca até o julgamento do feito ou até a realização de certame próprio. O item (2) a apresentação de um plano estratégico, no prazo de 30 dias, contemplando redução de custos de serviços, e em caso de inadimplemento das obrigações financeiras assumidas, ocorra o sequestro de verbas públicas para a garantia da continuidade dos serviços é deferido parcialmente, apenas para que no prazo de 30 dias, seja apresentado um plano de redução de custos e serviços, de forma pormenorizada, para que ao Ministério Público seja possível identificar o montante da redução e o quanto isso afetaria a prestação dos serviços. O item (3) a sub-rogação do município nas obrigações contraídas em decorrência da execução de serviços decorrentes do objeto dos autos ao longo de toda a vigência dos pactos, com apresentação de cronograma de pagamentos resta indeferido. Na verdade a referência a sub-rogação trata de assunção das dívidas pelo Município nos contratos em que a Fundação se vê como devedora em razão do objeto da presente prestação. Tal situação, em um primeiro momento, desborda dos termos contratuais outrora vigentes, notadamente porque a Fundação presta os serviços a terceiros em nome próprio. Além disso, em relação a tal questão não há urgência, ao menos no que tange à continuidade de prestação dos serviços nesta comarca. Pelos mesmos fundamentos, portanto, o item (6) caso o juízo não entenda viável a sub-rogação imediata das obrigações contraídas, seja determinada a realização de perícia contábil para apuração do montante da dívida e, consequentemente o sobrestamento de todas as ações judiciais movidas em face da Fundação do ABC, também não é acolhido. Eventual perícia terá sua necessidade verificada no bojo da presente demanda e a sustação das ações em andamento por outros juízos igualmente não é viável, na medida em que não se pode ignorar os direitos de todos aqueles que prestaram serviços ou alienaram produtos à Fundação e igualmente possuem direito de crédito a ser tutelado. Por enquanto, continuará vigente o sistema indenizatório da prestação dos serviços e, até para que se garanta a continuidade dos serviços, o juízo poderá, diante de eventual inadimplência, promover o sequestro de verba pública, a vista do risco para a continuidade do próprio serviço, de natureza essencial. A única cautela a ser tomada pelo juízo é que eventual arresto de valores junto ao erário, terá por norte a média dos valores identificados por meio do regime indenizatório entre agosto de 2018 e julho de 2019. Assim, evita-se que as faturas cobradas cresçam vertiginosamente, com o escopo de cobrar como dívida atual, débitos do passado, valendo-se da força do arresto judicial, até porque os débitos pretéritos não serão objeto de apreciação pelo juízo. Aqui cabe ao juízo zelar para que o Município pague regularmente os serviços vigentes prestados, até para que se exija da Fundação a continuidade dos serviços até a celebração de novo convênio pela municipalidade. Os itens (4) e (5) serão apreciados oportunamente e não se revestem de urgência apta a dispensar o contraditório. Ante o exposto, CONCEDO PARCIALMENTE a tutela de urgência para: (1) SUSPENDER os efeitos do contrato firmado com a ASSOCIAÇÃO METROPOLITANA DE GESTÃO; (2) DETERMINAR a manutenção da gestão do Complexo de Saúde de Mauá (COSAM), englobando o Hospital de Clínicas Dr. Radamés Nardini, os serviços de Atenção Básica, Urgência e Emergência, Atenção Especializada, Proteção da Saúde e Vigilâncias e Farmácia Popular, pela FUNDAÇÃO DO ABC, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), limitada ao teto de R$ 2.000.000 (dois milhões de reais), sem prejuízo das demais cominações de natureza penal; (3) DETERMINAR a realização e a conclusão de chamamento nos termos da Lei Federal n° 13.019/2014, dentro do prazo de 180 dias, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), limitada ao teto de R$ 2.000.000 (dois milhões de reais), sem prejuízo das demais cominações de natureza penal; (4) DETERMINAR que o Município, no prazo de 30 dias úteis, apresente plano estratégico de redução de custos e serviços, de forma pormenorizada, sob pena de multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), limitada ao teto de R$ 2.000.000 (dois milhões de reais). Cite-se e intime-se a parte ré para contestar o feito, no prazo de 30 dias (Município de Mauá) e 15 dias (Fundação do ABC). A ausência de contestação implicará revelia e presunção de veracidade da matéria fática apresentada na petição inicial. Servirá esta decisão como mandado a ser cumprido pelo oficial de justiça de plantão. Intime-se. Mauá, 09 de agosto de 2019